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Tuesday, March 14, 2006

O amor é lindo como um tornado visto do espaço

As pessoas que sobrevivem a catástrofes naturais tornam-se indefesas ou cruéis.

A catástrofe natural é dos acontecimentos mais terríveis para o homem. Não porque, em minutos, lhe tira tudo o que lhe demora uma vida a construir. Não porque vem sem aviso, e mesmo que avisasse, nada poderia ser feito para evitar a devastação. Nem porque faz aflorar o instinto de sobrevivência que reduz o homem a animal e o leva a fazer escolhas que no seu estado de racionalidade não faria. Muito menos por deixar para sempre a marca da sua passagem na memória dos homens.

Por muito que se reconstrua, por mais perfeita que seja a reconstituição, não se pode reconstituir a memória do homem, as perdas emocionais, as perdas de pessoas que lhe serviam de referência. Não se pode apagar da memória de um homem as coisas que ele fez, pensou e disse nos momentos em que escolheu entre a sua vida e a vida de outro, entre matar ou morrer. Não se pode apagar a usurpação da dignidade de um homem que foi obrigado a fazer e a dizer certas coisas para continuar vivo.

A catástrofe natural é dos acontecimentos mais terríveis para o ser humano porque a ninguém se pode atribuir a culpa. Há sempre um pequeno alívio quando há alguém a quem culpar, alguém a quem perseguir incansavelmente até que se faça justiça, mesmo que não se tenha uma ideia clara do tipo de justiça que se pretende ver feita. Não havendo a quem culpar, fica-nos aquele vazio de objectivo imediato. Só nos resta a reconstrução de uma realidade que sabemos, agora, ser apenas temporária. Temos a consciência aterrorizada pela percepção da inconstância da vida, da efemeridade dos dias, de nada mais estar sob o nosso controlo e isso impede-nos a vida que nos sobrou. Quando olhamos para o céu sentimos um prazer enorme a observá-lo apenas porque temos a certeza absoluta que ele não nos vai cair em cima a qualquer momento.

Contamos as estrelas, desenhamos nas nuvens, apenas porque sabemos que elas permanecem ali, no seu lugar próprio, sob o nosso controlo. A partir do momento em que começamos a pensar que poderá não ser assim somos invadidos por aquele terror que faz homens barbudos comportarem-se como crianças indefesas e órfãs, tristes, patéticas.

Depois de uma catástrofe natural não sabemos muito bem o que fazer, por onde começar. Sabemos que temos que fazer, temos! Mas não temos forças. Não apetece. Não nos sobrou fôlego porque o gastámos todo a sobreviver. Entramos em luto, choramos, olhamos em volta e choramos mais um pouco e ninguém nos diz nada. Podemos chorar sem que nos digam que isso não é de homem. Depois sentimos fome e a vida volta a correr-nos nas veias. Começamos, então a limpar os restos, os destroços, a abrir caminho para uma nova existência em que, daqui a nada, já nos sentiremos seguros o suficiente para olhar novamente as estrelas sem medo que elas nos caiam em cima.

Sobrevivi a essa catástrofe natural a que chamam amor, mas ainda ninguém me tira da cabeça que as estrelas não estão quietas. Elas mexem-se que eu sei...

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