Quid Iuris?

Proibido proibir!

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Thursday, March 16, 2006

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Quando era pequeno, ao contrário das outras crianças da minha idade, não queria ser polícia, nem bombeiro, muito menos astronauta.
Até hoje não entendo porque há pessoas que escolhem, livremente, ser polícia, ou bombeiro ou astronauta, ou médico, ou piloto de fórmula um.

A profissão de polícia, inclui, entre muitas outras regalias, levar com tiros de bandidos e bofetadas de mulheres em manifestações e não poder retribuir, senão fazemos as primeiras páginas de todos os jornais como mais um exemplo da brutalidade das forças de segurança pública.

Ser bombeiro só pode vir de uma vontade muito grande de experimentar o inferno em vida. Tem as chamas e tal. Depois, como retribuição tem-se um salário mínimo e uma reforma que só dá para comprar um pacote de fósforos e relembrar os velhos tempos de profissão.

Os astronautas...são aqueles que, voluntariamente se lançam, em garrafas com toneladas de explosivos acopladas, para o vácuo onde não podem respirar e onde provavelmente todas as veias do corpo rebentarão com a pressão momentos depois de nos enviarem imagens lindíssimas de corpos celestes.

Ainda pensei, durante algum tempo de escuridão emocional, ser médico. Por sorte, morreu-me um peixinho dourado que tinha num aquário em cima da mesa da sala e percebi que a morte é incontornável e todo o esforço inútil.

Foi durante a adolescência que se fez luz. Tinha eu por volta dos 14 anos, quando houve, na minha cidade, uma greve de homens do lixo. Passeando pelas ruas imundas, vendo os contentores inclinados vergando sob o peso dos sacos de lixo, outros já no chão a serem abocanhados pelos cães incansáveis que os esventravam à procura de comida, ou simplesmente porque o podiam fazer (talvez os cães também sejam curiosos e tenham espírito científico). Uma semana depois do início da greve, a câmara cedeu, como não podia deixar de fazer e prometeu as tais melhores condições contratuais que os lixeiros reivindicavam. No dia seguinte, a caminha da escola, observei a cidade e já nunca mais ela me pareceu a mesma. Tão limpa, tão sem cheiros nauseabundos. Sem nunca ter visto aqueles homens, talvez até mulheres, fiquei-lhes tão grato.

Passei a ter-lhes uma admiração reverencial. Sem nunca sabermos quem eles eram, podendo mesmo conhecê-los, andar com eles na rua, estar sentado ao seu lado no café, sabíamos que eles estavam entre nós, e que todos os dias trabalhariam durante a noite para manter a nossa cidade limpa. Eles poriam as mãos onde nenhum de nós ousaria colocar um dedo. Eles não se incomodavam com o cheiro putrefacto dos contentores que cada um, inconscientemente, ia enchendo e encarregar-se-iam de retirar deles o que se poderia ou não aproveitar. Foi então que decidi que seria um homem do lixo. Disse-o aos meus pais. Eles riram-se. Fiquei contente que aprovassem.

Hoje sou um jornalista muito respeitado pela opinião pública e pelos meus colegas. Mesmo quando falo sobre isto com outras pessoas, vejo que muita gente não conseguiu concretizar os seus sonhos. Mas eu consegui.
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