Quid Iuris?

Proibido proibir!

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Location: Portugal

Thursday, March 16, 2006


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Se um dia algum artista editasse a sua obra com o título “o pior livro que já escrevi” ou “o pior disco já editado”, com toda a certeza, seria um sucesso de vendas. O público acorreria em massa a comprá-lo. Uns por curiosidade, a tal atracção pelo acidente. Outros porque simplesmente não acreditariam na honestidade do artista e achariam aquilo tudo muito...artístico.

Não é que não saibamos que é possível, que existe essa coisa chamada falta de talento. Mas os que lêem e os que ouvem música e são dedicados a um artista que é seu preferido, não conseguem senão dar-lhe o benefício da dúvida. Riem-se da sua modéstia. Acham engraçado que não goste de se ler, ou de se ouvir.

A verdade é que os artistas são criação nossa. Fomos nós que lhes ficcionámos o talento porque, por alguma razão, nos identificámos com eles e percebemos o que eles queriam dizer e sentimos que eles o dizem muito melhor do que nós alguma vez o poderíamos fazer. É uma espécie de narcisismo marado.

Que importa se ele, na verdade, não consegue seguir um compasso ou se não tem voz. O que importa é que aquela música que ele cantou, da forma como ele a cantou, em algum dia, marcou um momento da nossa existência, uma ideia, um sentimento, a que ficou para sempre associada aquela música.

E porque eles são criação nossa, porque somos nós que os sustentamos e lhes enchemos a carteira e o ego, não podemos deixar de lhes perdoar tudo o que não desculparíamos em qualquer outra pessoa. É aqui que se faz a distinção entre a genialidade e a mera presunção. Meteu-se na droga? Coitado, é a pressão da fama. Embebedou-se e espetou-se com o carro e matou 200 pessoas? Coitado, é o peso da responsabilidade de ter tanto talento e os olhos do mundo sobre si. Há sempre um momento em que um gajo não aguenta, pá.

Assim como os pais, se verdadeiramente amam os seus filhos, não lhes conseguem ver os defeitos e imputar as culpas. O meu filho será sempre inocente. Se matou foi porque foi levado pelas circunstâncias e agiu em legítima defesa. Se roubou foi por causa da influência perniciosa de más companhias. Escreveu um livro mau? Foi só um ensaio, queria testar algumas ideias, mas o próximo já sai melhor. E cá estamos nós, depois de termos gasto dinheiro mal gasto a comprar Os Piores Contos dos Irmãos Grim, porque realmente não percebemos, ou não queríamos acreditar, que fossem mesmo maus. Com vontade de pedir reembolso na livraria, mas com vergonha sequer de admitir que o comprámos porque afinal os próprios autores nos avisaram que ele era mau. E todos sabemos que assim que sair outro livro, vamos a correr à livraria comprá-lo porque nos recusamos a acreditar que o artista que criámos na nossa imaginação e no qual investimos afinidades em cada página, a cada livro, o nosso artista, já não tenha arte.


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